Quando Guerra Junqueiro (1850-1923) se libertava da vocação panfletária, com frequência de uma demagogia de mau gosto, e se abria à indignação autêntica e à não menos autêntica ternura, era poeta como os que verdadeiramente o são.


O DOIDO

(na escuridão)

Ó nau gigante, ó nau soturna,
Galera trágica e nocturna,
Que levas, dize, no porão?...

O vento chora sobre o Mundo,
Chora de raiva o mar profundo...
Que levas, dize, no porão?...

A lua, aziaga e macilenta,
Olha-te exânime e sangrenta...
Que levas, dize, no porão?...

Asas carnivoras em bando
Poisam nas vergas crucitando...
Que levas, dize, no porão?...

Teu caverne exala miasmas,
Teus marinheiros são fantasmas...
Que levas, dize, no porão?...

Teu pendão negro vai a rastos,
São cruzes negras os teus mastros...
Que levas, dize, no porão?...

- Dentro do esquife, amortalhada,
Levo uma patria assasinada,
No meu porão!...


[Pátria]
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